Há hoje, na sociedade portuguesa, uma espécie de cegueira congénita que nos embacia a percepção da realidade das coisas e nos molda a consciência espontânea da análise e da crítica.
Vive-se um tempo conturbado de expectativas individuais falhadas e de aspirações colectivas totalmente subvertidas, dando azo e espaço ao surgimento de tacticismos de influência e poder, muitas vezes alimentados e sustentados por acordos feitos de conluios e cumplicidades, que depois dão origem a criaturas indecorosas e obscenas.
E tanto chegam à política como ao futebol, pelo mesmo caminho de sentido único que conhecem, que é o do suborno, o do aliciamento, o da corrupção e o da depravação moral.
Tal como aconteceu com Sócrates na política, em que ninguém reparou no cardápio de fraudes, burlas, golpes, maroscas, tramoias, falcatruas ou embustes que ia coleccionando, até ao dia em que foi detido, também LFV foi beneficiando ao longo do tempo do mesmo laxismo, complacência e impunidade, perante procedimentos mais que duvidosos que fazia no Benfica, e só agora estancados pela força da justiça.
E se ao ex-primeiro ministro ainda houve muitas almas caridosas que se deslocaram a Évora para o visitar na prisão e beijar-lhe a mão em sinal de respeito, também não duvido que em relação ao presidente do Benfica muitos se voluntariem para lhe levar o pijama e os chinelos e, quiçá, até uns panadinhos de frango ao calabouço, como que ainda incrédulos daquilo que lhe está a acontecer.
Para alguns alienados e avençados do Benfica, era bem mais difícil encontrarem um pulha no palheiro do que a respectiva agulha do provérbio, tal não era a demagogia visceral com que sempre o apoiaram e protegeram.
As pontas soltas há muito que se começaram a unir, e só não via quem não queria encontrar o fio à meada, neste intrincado novelo que muitos descaradamente ajudaram a embaraçar.
Os bancos portugueses habituaram-se a olhar para os grandes devedores à banca como os clientes de referência, vá-se lá saber porquê, a quem tudo permitem e nada exigem, sem o devido e escrupuloso escrutínio, que por norma é mandado para as malvas, porque sabem que depois cá está o zé-povinho para pagar os abusos e desfalques dos outros.
O Benfica sempre foi uma escola de virtudes mas ainda não desceu ao patamar miserável para vir a ser um local de estágio para a regeneração de trafulhas e vigaristas.
Se LFV já era, quando aqui chegou, um mafioso sobejamente conhecido na sociedade, não era no Benfica que ele se ia transformar de repente num benemérito altruísta, como alguns bajuladores e hipócritas o quiseram catalogar.
LFV roubou o Benfica, mas a dimensão do seu roubo é muito maior do que aquilo que por aí apregoam.
Ele lesou o Benfica na imagem e reputação, e só isso é um estigma e uma nódoa que vai demorar anos a desaparecer.
A sistemática procura do mercado sul-americano para trazer jogadores de duvidosa qualidade, e tantas vezes criticada aqui, não era fumo sem fogo, pois era com este estratagema montado que ardia muito do dinheiro do Benfica, servido de pasto seco a contratações que não resultavam de uma necessidade do plantel, mas de uma intenção de interesses pessoais da qual revertiam em boas comissões para ele, empresários e um certo treinador.
Cortada a cabeça à serpente, os restantes membros da direcção, até porque foram coniventes silenciosos das suas acções nefastas, perderam qualquer credibilidade junto dos Benfiquistas e devem-se demitir em bloco para que sejam de novo eles a escolher o destino do clube.
Uma vassourada de alto a baixo impõe-se, até porque, efectivamente, em primeiro está o Benfica.
Amo-te, Benfica!
José Reis
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