Entreguei esta semana, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, a acção que visa o afastamento de Luís Filipe Vieira da presidência do Benfica. Ponderei longamente esta medida, pois não ignoro a gravidade do gesto. Advogado de profissão e sócio há 27 anos, sei bem que os mecanismos desejáveis para a resolução das divergências no seio do clube são os que passam pelos seus órgãos estatutários.
Comecei a frequentar as assembleias gerais no Pavilhão da Luz corria o tempo de Manuel Damásio; com 16 anos, não tinha ainda direito a votar. Nessa época, foi pela via associativa que conseguimos impedir mudanças estatutárias abusivas e projectos de SAD nocivos. Lembro também as várias eleições, e sobretudo a mais viva de todas as campanhas, quando nós, os sócios, afastámos Vale e Azevedo, um presidente que ameaçava destruir o clube.
Alguns anos depois, fui viver para os EUA, onde continuei os meus estudos e onde hoje trabalho. Passei a viver o Benfica à distância, com a especial intensidade do emigrante. Lá fora, o Benfica é uma forma de estarmos mais perto de casa. Talvez também por isso, nestes últimos anos, tenha aumentado a minha preocupação ao ver a falência moral e institucional que se abateu sobre a presidência do Benfica. A experiência como advogado em algumas das maiores causas à escala internacional, vezes demais incluindo situações de fraude ou lavagem de dinheiro, reforçou a minha atenção para os problemas actuais do clube.
A rede de interesses, truques e desmandos que se formou no Benfica exibe todos os traços que caracterizam a captura de organizações para benefício pessoal. A confusão de esferas entre Vieira Grande Devedor e Vieira Presidente do Benfica ficou ainda mais patente após a audição de Luís Filipe Vieira pela Comissão Parlamentar de Inquérito. Escutámos do principal protagonista, em discurso directo, como tanto os contribuintes portugueses quanto os benfiquistas são forçados a suportar o seu colapso empresarial.
Entendo, por isso, que o Benfica corre hoje um risco sem precedentes na história do clube. Sinto que estou acompanhado por muitos benfiquistas na conclusão a que nos leva o presente estado de coisas: o Benfica é o grande lesado de Luís Filipe Vieira e precisa de libertar-se dele com urgência. Não sou eu que o digo, são os Estatutos do Benfica: o Presidente do clube “não pode, directa ou indirectamente, estabelecer com o Clube e sociedades em que este tenha participação relevante, relações comerciais ou de prestação de serviços, ainda que por interposta pessoa.” Violada esta proibição absoluta, a consequência é “a perda automática de mandato e a impossibilidade de candidatura no mandato seguinte.”
A urgência de resgatar o Benfica é sentida por todos nós; nenhuma divergência há quanto a isso. Surgem nesta altura várias iniciativas que pretendem enfrentar o impasse democrático em que nos encontramos por via dos mecanismos de auto-governo associativo, como um pedido de assembleia geral extraordinária para auditoria do último acto eleitoral ou a preparação de uma alteração dos Estatutos do clube.
Entendo que estas contribuições de grandes benfiquistas, e outras que possam surgir, são de enorme importância e apoio-as sem reservas. Temo, contudo, que os mecanismos internos não possam já assegurar o respeito pela vontade dos sócios, como comprovaram as eleições de Outubro de 2020 e as suas inúmeras irregularidades, como a ausência de cadernos eleitorais, a recusa de contagem dos votos em urna e a impossibilidade de escrutínio independente do sistema de voto electrónico.
Se eu estiver errado, e os mecanismos internos de governo do clube funcionarem, comprometo-me a retirar a acção que propus no dia seguinte à saída de Luís Filipe Vieira do Benfica. Seria um dia feliz. Mas se eu estiver certo, e a degradação do clube em nome de interesses pessoais perseverar, entendo que a acção que propus é um imperativo de consciência. A acção é contra Luís Filipe Vieira e mais ninguém; a acção é para proteger o Benfica e mais ninguém.
Recuso a ideia de toda esta decadência ser intrínseca ao futebol, ao desporto e ao Benfica. Toda a nossa história o desmente. Só fomos verdadeiramente grandes e ganhadores quando governados por gente que soube viver a elevação de princípios simbolizada pela águia do nosso emblema. Joaquim Ferreira Bogalho, nosso saudoso Presidente, deixou aos que lhe sucederam um sério aviso: “Respeitem sempre o dinheiro do clube. É dinheiro de gente simples e humilde. É esforço de gente pobre que dá porque gosta muito do Benfica. Sirvam-no. Não se sirvam dele!”. Esta petição é a minha forma de honrar esse esforço.
Jorge Mattamouros 12 de Junho de 2021, 8:00
0 comentários
Enviar um comentário