O mundo mudou. As nossas vidas vão mudar. O antes e o depois de Cristo é agora o antes e o depois do vírus.
Não me contes como foi, conta-me antes como vai ser.
Estamos em isolamento profiláctico, cada qual entregue à sua sorte de resistência e resiliência.
Não deixa de ser irónico, que depois das fronteiras escancaradas, a tudo o que entrava e saía, estejamos agora a pagar por isso confinados às nossas próprias casas.
Já não apanhamos o metro ou o autocarro para irmos para o trabalho. Apanhamos os chinelos para irmos até à varanda respirar um pouco de ar. Depois fazemos um pequeno passeio até à cozinha, e lá contabilizamos as reservas que ainda há na despensa e no frigorífico.
Vamos até à sala, onde se reúne por norma o comando geral da família, e pela televisão acompanhamos as notícias e os números alarmantes das últimas vítimas, e nas ruas desertas imaginamos os vírus como uns snipers que apontam as miras para qualquer cidadão que se descuide.
Fiquem em casa! É a palavra de ordem e a senha que valem a nossa sobrevivência. Sabemos e conhecemos a nossa condição precária.
Não adianta idealizarmos uma sociedade utópica quando na verdade lhe estamos a deixar como herança um mundo distópico.
O éramos tão felizes, é apenas a constatação de um lamento e reconhecimento das nossas fraquezas e fragilidades.
Quem tem saúde e liberdade é rico e não o sabe, e hoje, devido a circunstâncias e vicissitudes de vária ordem e das voltas que a vida dá, talvez o entendamos melhor em saber, sob pena de não nos restar mais oportunidades para reparar e ultrapassar a nossa estupidez humana.
Estamos adiados, porque fingimos.
Confinados, porque transgredimos.
Sitiados, porque nos excedemos.
Quarentenados, porque nos expusemos.
Isolados, porque nos globalizámos.
Contaminados, porque arriscámos.
Angustiados, porque nos indisciplinámos.
Amedrontados, porque fomos egoístas.
Assoberbados, porque nos desafiámos.
Resignados, porque desconfiamos já de nós próprios.
Agora sabemos que aos domingos já não há missa nem futebol.
E o pior, é que também não joga o Benfica.
Para ao menos podermos exercitar as nossas paixões de bancada. Que não voltaremos a ter tão cedo, apenas nas reminiscências de memórias e vivências interrompidas de chofre, abruptamente.
Lá fora já irrompe a Primavera, viçosa e colorida como sempre. E há-de ser Páscoa, mesmo com amêndoas amargas. E depois há-de ser Verão, mesmo que já não haja as conversas de cavaqueira à sombra da tilieira frondosa.
E com ou sem o rebuliço do regresso às aulas, há-de ser Outono. E como ou sem Natal em família reunida, há-de ser Inverno. E há-de mudar o ano, se entretanto não for adiado para o ano seguinte, enquanto o champanhe, sem motivos para se erguer em brinde, esmoreça na garrafa aberta até perder a força, ao lado das passas do Algarve que todos iremos passar.
E entretanto, nesta quarentena forçada para todos, esperemos que o Pizzi tivesse aproveitado o tempo para treinar melhor os penáltis contra o muro lá de casa.
Que o Ferro, o Grimaldo e o Tomás Tavares, tivessem visto os vídeos suficientes para corrigirem as falhas constantes que têm tido na defesa.
Que o Taarabt não tivesse quebrado o jejum do ramadão e agora se apresente com excesso de peso.
Que o Rafa aperfeiçoasse e afinasse a rapidez de corrida e drible em sucessivas voltas à piscina.
Que o Seferovic recompusesse a sua falta de humor e de pontaria a bem do povo Benfiquista e do povo helvético.
Que o Bruno Lage, mais especialista em pandas e folhas de bambu, se convencesse que o seu estado de graça já não está a ter graça nenhuma e que se esperam melhorias tácticas e exibicionais.
E há-de ser outra vez Portugal e outra vez Benfica, esperando que, tanto um como outro, devidamente desinfectados e expurgados dos imbecis que andam por aí e só estorvam.
Amo-te, Benfica!
José Reis
Não me contes como foi, conta-me antes como vai ser.
Estamos em isolamento profiláctico, cada qual entregue à sua sorte de resistência e resiliência.
Não deixa de ser irónico, que depois das fronteiras escancaradas, a tudo o que entrava e saía, estejamos agora a pagar por isso confinados às nossas próprias casas.
Já não apanhamos o metro ou o autocarro para irmos para o trabalho. Apanhamos os chinelos para irmos até à varanda respirar um pouco de ar. Depois fazemos um pequeno passeio até à cozinha, e lá contabilizamos as reservas que ainda há na despensa e no frigorífico.
Vamos até à sala, onde se reúne por norma o comando geral da família, e pela televisão acompanhamos as notícias e os números alarmantes das últimas vítimas, e nas ruas desertas imaginamos os vírus como uns snipers que apontam as miras para qualquer cidadão que se descuide.
Fiquem em casa! É a palavra de ordem e a senha que valem a nossa sobrevivência. Sabemos e conhecemos a nossa condição precária.
Não adianta idealizarmos uma sociedade utópica quando na verdade lhe estamos a deixar como herança um mundo distópico.
O éramos tão felizes, é apenas a constatação de um lamento e reconhecimento das nossas fraquezas e fragilidades.
Quem tem saúde e liberdade é rico e não o sabe, e hoje, devido a circunstâncias e vicissitudes de vária ordem e das voltas que a vida dá, talvez o entendamos melhor em saber, sob pena de não nos restar mais oportunidades para reparar e ultrapassar a nossa estupidez humana.
Estamos adiados, porque fingimos.
Confinados, porque transgredimos.
Sitiados, porque nos excedemos.
Quarentenados, porque nos expusemos.
Isolados, porque nos globalizámos.
Contaminados, porque arriscámos.
Angustiados, porque nos indisciplinámos.
Amedrontados, porque fomos egoístas.
Assoberbados, porque nos desafiámos.
Resignados, porque desconfiamos já de nós próprios.
Agora sabemos que aos domingos já não há missa nem futebol.
E o pior, é que também não joga o Benfica.
Para ao menos podermos exercitar as nossas paixões de bancada. Que não voltaremos a ter tão cedo, apenas nas reminiscências de memórias e vivências interrompidas de chofre, abruptamente.
Lá fora já irrompe a Primavera, viçosa e colorida como sempre. E há-de ser Páscoa, mesmo com amêndoas amargas. E depois há-de ser Verão, mesmo que já não haja as conversas de cavaqueira à sombra da tilieira frondosa.
E com ou sem o rebuliço do regresso às aulas, há-de ser Outono. E como ou sem Natal em família reunida, há-de ser Inverno. E há-de mudar o ano, se entretanto não for adiado para o ano seguinte, enquanto o champanhe, sem motivos para se erguer em brinde, esmoreça na garrafa aberta até perder a força, ao lado das passas do Algarve que todos iremos passar.
E entretanto, nesta quarentena forçada para todos, esperemos que o Pizzi tivesse aproveitado o tempo para treinar melhor os penáltis contra o muro lá de casa.
Que o Ferro, o Grimaldo e o Tomás Tavares, tivessem visto os vídeos suficientes para corrigirem as falhas constantes que têm tido na defesa.
Que o Taarabt não tivesse quebrado o jejum do ramadão e agora se apresente com excesso de peso.
Que o Rafa aperfeiçoasse e afinasse a rapidez de corrida e drible em sucessivas voltas à piscina.
Que o Seferovic recompusesse a sua falta de humor e de pontaria a bem do povo Benfiquista e do povo helvético.
Que o Bruno Lage, mais especialista em pandas e folhas de bambu, se convencesse que o seu estado de graça já não está a ter graça nenhuma e que se esperam melhorias tácticas e exibicionais.
E há-de ser outra vez Portugal e outra vez Benfica, esperando que, tanto um como outro, devidamente desinfectados e expurgados dos imbecis que andam por aí e só estorvam.
Amo-te, Benfica!
José Reis