Naquela manhã de um qualquer dia de Janeiro de 2020, resolvemos ir ao “mata-bicho”. A turbulência dos dias anteriores tinha amainado.
As complicações técnicas relativas aos trabalhos em curso estavam em vias de resolução.
O “mata-bicho”, alusão a velhos hábitos de antanho, consistia num breve cafezinho madrugador, ali mesmo na tasca do “Texugo”, e dois dedos de “prosa” entre nós – colegas de trabalho –, à guisa de balanço, ou com os nossos velhos amigos, que por lá costumam aparecer, Cachalote, Sopinha e Carlinhos, nuns breves comentários sobre as mais recentes ocorrências futebolísticas.
Cachalote, benfiquista moderado, sentado no seu canto, com a sua samarra de flanela clara aos quadrados, invariavelmente concentrado na leitura das notícias da manhã, limita-se a um escasso e lacónico murmúrio sobre o tema em discussão.
Sopinha, lesto, sorridente, com a sua proeminente barriga, dirige-se, decidido, ao balcão, encomendando a habitual ginjinha, que vai saboreando em pequenos goles nas duas horas seguintes, enquanto vira as páginas do jornal do dia sem as ler nem ligar a futebóis.
Entredentes, murmura de vez em quando: - Eu não me faço velho! Carlos, “o Carlinhos”, homem modesto, meio cego, que vê os jogos do seu Benfica no estádio, quando pode, apesar de só ver sombras em vez de jogadores, que fala em turbilhão, gaguejando, é benfiquista do coração. Acompanha tudo. Conhece as equipas, as datas e as horas dos jogos, as transferências e as verbas envolvidas, os casos polémicos, etc.
Preocupa-se, sobretudo na véspera dos jogos. Faz contas de cabeça à pontuação. Tem ideias sobre a constituição do plantel e das táticas.
Volta e meia “puxo” por ele a pretexto do boné verde desbotado que costuma usar; “- Então Sr. Carlos, boné verde? Parece mal! Eu tinha vergonha! Responde de pronto: - Qual é ooo ppproblema? É dadado! Uuso o que me dão! Não tenho problema nenenhum contra o veerde!
Naquele dia, reparei que trazia um boné vermelho, já bem coçado, com o emblema do Benfica - tinha ocorrido dois dias antes a vitória sobre o velho rival. Ataquei a fundo: “.- Ah! agora é que estou a perceber! O Sr. Carlos tem um boné do Benfica mas tem vergonha de o usar! Nunca pensei!”
Respondeu de imediato, meio aflito; “- Quem eeeu? Tenho vergonha eeu? Isso ééé q’eeera belo!” Num repente, meio ofendido, tirou o boné da cabeça, beijou três vezes o emblema do Benfica, voltou e metê-lo na cabeça e repetiu: “- Iisso é q’era belo! Nnnunca na vida!”
Bebi o cafezinho e fomos à vida. “- Pronto, está bem! Até amanhã, Sr. Carlos! - Até amanhã”. Respondeu já mais sossegado, com os olhos marejando.
De regresso, entre divertido e comovido, matutando na cena, prometi a mim mesmo oferecer-lhe um boné novo.
Peniche, 25 de Janeiro de 2020
António Barreto
As complicações técnicas relativas aos trabalhos em curso estavam em vias de resolução.
O “mata-bicho”, alusão a velhos hábitos de antanho, consistia num breve cafezinho madrugador, ali mesmo na tasca do “Texugo”, e dois dedos de “prosa” entre nós – colegas de trabalho –, à guisa de balanço, ou com os nossos velhos amigos, que por lá costumam aparecer, Cachalote, Sopinha e Carlinhos, nuns breves comentários sobre as mais recentes ocorrências futebolísticas.
Cachalote, benfiquista moderado, sentado no seu canto, com a sua samarra de flanela clara aos quadrados, invariavelmente concentrado na leitura das notícias da manhã, limita-se a um escasso e lacónico murmúrio sobre o tema em discussão.
Sopinha, lesto, sorridente, com a sua proeminente barriga, dirige-se, decidido, ao balcão, encomendando a habitual ginjinha, que vai saboreando em pequenos goles nas duas horas seguintes, enquanto vira as páginas do jornal do dia sem as ler nem ligar a futebóis.
Entredentes, murmura de vez em quando: - Eu não me faço velho! Carlos, “o Carlinhos”, homem modesto, meio cego, que vê os jogos do seu Benfica no estádio, quando pode, apesar de só ver sombras em vez de jogadores, que fala em turbilhão, gaguejando, é benfiquista do coração. Acompanha tudo. Conhece as equipas, as datas e as horas dos jogos, as transferências e as verbas envolvidas, os casos polémicos, etc.
Preocupa-se, sobretudo na véspera dos jogos. Faz contas de cabeça à pontuação. Tem ideias sobre a constituição do plantel e das táticas.
Volta e meia “puxo” por ele a pretexto do boné verde desbotado que costuma usar; “- Então Sr. Carlos, boné verde? Parece mal! Eu tinha vergonha! Responde de pronto: - Qual é ooo ppproblema? É dadado! Uuso o que me dão! Não tenho problema nenenhum contra o veerde!
Naquele dia, reparei que trazia um boné vermelho, já bem coçado, com o emblema do Benfica - tinha ocorrido dois dias antes a vitória sobre o velho rival. Ataquei a fundo: “.- Ah! agora é que estou a perceber! O Sr. Carlos tem um boné do Benfica mas tem vergonha de o usar! Nunca pensei!”
Respondeu de imediato, meio aflito; “- Quem eeeu? Tenho vergonha eeu? Isso ééé q’eeera belo!” Num repente, meio ofendido, tirou o boné da cabeça, beijou três vezes o emblema do Benfica, voltou e metê-lo na cabeça e repetiu: “- Iisso é q’era belo! Nnnunca na vida!”
Bebi o cafezinho e fomos à vida. “- Pronto, está bem! Até amanhã, Sr. Carlos! - Até amanhã”. Respondeu já mais sossegado, com os olhos marejando.
De regresso, entre divertido e comovido, matutando na cena, prometi a mim mesmo oferecer-lhe um boné novo.
Peniche, 25 de Janeiro de 2020
António Barreto
Pegando na "crítica" da vergonha de ser Benfiquista, o que se observa nos dias que correm é a raiva e perseguição a quem se assume como tal, em organismos futeboleiros atulhados de dragartos até ao telhado!
ResponderEliminarE não é que o facto de ser Benfiquista não ajuda nada, até dentro do próprio Benfica?
Em adenda ao meu comentário anterior, o Rafa, porque assumiu que quer um dia ser Presidente do Glorioso, já acelerou a sua Guia de Marcha!
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