Defendi, convictamente, o projeto de Luís Filipe Vieira para o Benfica.
Subestimei as dúvidas que foram surgindo; a forma algo enviesada como acedeu à presidência, o passado de amizade com Pinto da Costa, os recorrentes apelos à gratidão dos benfiquistas para com um dos piores inimigos do seu clube, Joaquim Oliveira, os permanentes enxovalhos à gestão e à pessoa de Vale e Azevedo promovendo a desunião dos sócios, a contratação para os quadros do “clube-sad” de ex-colaboradores dos rivais, alguns dos quais com histórico contra os interesses do clube, o caso do motorista condenado por envolvimento em negócios de estupefacientes, etc.
Tudo isto parecia secundário perante um projeto que prometia fartas vitórias a médio-prazo, concluído o equilíbrio económico e financeiro e a criação das infraestruturas inerentes. As circunstâncias do fracasso do penta porém desmoronaram a fé em tal projeto.
Nessa época de profundo desencanto, apesar da reiterada afirmação pública de empenho no penta-campeonato, a Direção do Benfica pouco fez para o concretizar. Com uma receita de cerca de 240 milhões de euros em vendas, de jogadores cruciais na manobra da equipa, negligenciou o reforço da mesma.
Curiosamente, nessa mesma época, foi negociada a venda dos direitos desportivos do Benfica à NOS e decidido o pagamento de 100 milhões de euros ao NB. Joaquim Oliveira reconstituiu o seu falido grupo empresarial e Filipe Vieira conseguiu a generosa reestruturação da sua dívida. Tanta coincidência foi demais, para mim.
A confirmação veio na época transata em que, apesar do desafogo financeiro, não foram colmatadas as conhecidas fragilidades da equipa. Disso beneficiou o rival Porto, acabando por ganhar, apesar do seu mau futebol e do estado de pré-falência em que se encontrava.
Dezassete anos é um lapso de tempo suficiente para avaliar a qualidade do desempenho da Direção em exercício. A seu crédito contabilizo o magnífico projeto de formação do futebol, o ecletismo, o sucesso do atletismo, em especial o masculino, a construção do, outrora utópico e sempre adiado, museu, a constituição da Fundação Benfica e da Benfica TV e o carinho com que tratou muitas das glórias do clube.
A seu descrédito considero; a insuficiência de títulos conquistados no futebol sénior e nas modalidades, à exceção do voleibol, o descalabro do desempenho europeu da equipa de futebol sénior, a demolição do antigo, único e icónico estádio, trocando-o por outro modular, a acumulação duma gigantesca dívida, a incapacidade de defender o clube nos areópagos desportivos, judiciais e no espaço público, a degradação reputacional do clube resultante de sucessivos escândalos, o afastamento progressivo dos sócios e adeptos do dia-a-dia do “clube-sad” a troco de uma insuportável “corte” compulsivamente e exclusivamente encomiástica, a incapacidade de eliminar uma certa promiscuidade entre os seus assuntos e os do “clube-sad” e a implementação de uma cultura de relativização dos insucessos - transformando pequenos clubes em grandes adversários e grandes clubes em adversários inacessíveis.
Em suma, uma Direção com um modelo de gestão autocrático e manipulador, que degradou a cultura do Benfica perdendo demasiado e arrastando-o para situações indignas.
Por todas estas razões é minha convicção de que o Benfica precisa de um novo fôlego, um novo ímpeto que resgate a sua histórica e quase transcendental ambição de ganhar. Ganhar interna e externamente, ante qualquer adversário e em qualquer circunstância. As infraestruturas e o património imobiliário têm importância instrumental ao serviço do objetivo primordial; ganhar!
Nestas eleições não faltam candidatos, destacando-se, além de Luís Filipe Vieira, João Noronha Lopes e Rui Gomes da Silva. A vantagem parece estar do lado de Filipe Vieira, que, numa atitude contrária à tradição do clube, recusa o debate com os adversários vedando-lhes o acesso às plataformas mediáticas internas, de que é exclusivo beneficiário.
Apesar de um início de época prometedor e da reconhecida qualidade do grupo de trabalho criar a justa expetativa de uma época vitoriosa, a história recente diz-nos que, a ocorrer, provavelmente, será sol de pouca dura; rapidamente a equipa será, mais uma vez, desmembrada no final.
Por outro lado, Filipe Vieira foca, de novo, o seu projeto nas obras - campos de treino, colégios, universidades, hotéis, centros de alto rendimento, expansão do estádio, etc - remetendo, mais uma vez, a concretização das ambicionadas vitórias para o médio-prazo. Ora este é o tempo do Benfica ganhar e, como diz o bom povo “quem muito mato corre pouca lenha apanha”. Por tudo isto, e pelo que refiro acima, desta vez não terá o meu voto.
João Noronha é um gestor experimentado e teve a capacidade de reunir à sua volta gente de grande qualidade; glórias do clube, figuras da cultura, académicos, profissionais liberais e alto empresariado. Apresenta um projeto de continuidade mas focado na vertente desportiva, nas vitórias, em detrimento das obras. Porém, a inclusão de Manuel Vilarinho no seu elenco, deixa-me de pé atrás. Manuel Vilarinho é o obreiro do Benfica moderno, o Benfica do “vamos ganhar amanhã”,
Respeito-o enquanto benfiquista mas não admiro a sua obra no Benfica; ganhou as eleições graças à falsa promessa de contratação do Jardel, despediu aquele que veio a ser o melhor treinador do mundo - que “deu”, ao rival, vários títulos, entre os quais, um da Liga Europa e outro da Liga dos Campeões -, despachou todos os jogadores da equipa que tinham mercado - entre eles Van Hoidonk, João Tomás e Marchena -, entregou a construção do plantel a José Veiga - que trouxe os “seus” jogadores, em final de carreira, e se viu a braços com a Justiça, deixando uns salpicos de lama no clube -, rasgou o contrato de direitos desportivos com a SIC devolvendo-os à Olivedesportos - um dos pilares de sustentação do rival - por tuta e meia, e contribuiu “orgulhosamente” para a prisão de Vale e Azevedo, transformado numa espécie de apátrida ignóbil, mesmo depois de cumprir, integralmente, pesada pena de prisão, algo que reputo de deplorável.
Rui Gomes da Silva apresenta um projeto ambicioso, que consiste no resgate da genuína cultura do Benfica, assumindo, frontalmente, o objetivo da conquista das Ligas dos Campeões em futebol sénior masculino e feminino, de futsal, de hóquei em patins e de voleibol, e na recuperação da supremacia do futebol nacional.
Tem estruturado um projeto para todo o universo do Benfica para o qual apresentará equipa à altura. A seu favor conta o facto de conhecer a realidade do “clube-sad” por dentro, de ter assumido a rotura antes de qualquer outro, e de, com o seu exemplo, ter contribuído para o aparecimento de mais candidatos.
Na entrevista que deu ao Observador em 24 de Setembro de 2020, Rui Gomes da Silva deu a conhecer algumas ideias chave que norteiam o seu projeto e revelou alguns detalhes da parceria que anunciou com a “stat-up” “PAGA AQUI”, visando a obtenção de financiamento das modalidades amadoras e das casas do Benfica, libertando as receitas do futebol para o projeto europeu:
“Foi mais difícil ao Benfica conquistar a Liga dos Campeões Europeus em 1961 e 1962 ou chegar às finais de 1988 e 1990, do que é hoje, o Benfica, ser campeão europeu.” (…) “O Benfica não é uma entidade financeira, não vive para fazer negócios ou ser cotado na Bolsa, é um projeto desportivo que vive de vitórias e títulos.” (…) “O objetivo desta parceria é financiar as modalidades amadoras e as Casas do Benfica, que muito necessitam de apoio, para que as receitas do futebol sejam todas canalizadas para o projeto europeu, que aponta para o título máximo, a Liga dos Campeões. Não pode ser o futebol a sustentar estas atividades”, explicou.
Rui Gomes da Silva, que tinha a seu lado o CEO (diretor executivo) da “PAGAQUI”, João Barros.” (…) “Segundo este, a aplicação irá disponibilizar aos sócios, simpatizantes e membros das Casas do Benfica produtos financeiros em melhores condições do que aqueles que são colocados pela banca tradicional, que servirão, ao mesmo tempo, para financiar o clube nas modalidades amadoras, sendo que muitas delas não suportam os seus encargos.”
Há porém um tema que considero primordial e que ainda não vi refletido nos planos de nenhum dos candidatos. Trata-se da associação do Benfica ao salazarismo que, 46 anos depois do 25 de abril, certos setores da sociedade continuam a manter e que tem sido explorado com mestria e proveito pelo rival moderno do Benfica.
Grassa uma hostilidade crescente, percetível na comunicação social, nas instituições governativas, judiciais e desportivas contra o clube de Eusébio, Águas e Cª. São abundantes os casos, recentes ou remotos, que o comprovam.
Um dos mais emblemáticos residiu na designação de “Liga Salazar”, por adeptos do Porto - sabe-se lá a mando de quem -, ao último campeonato ganho pelo Benfica, sem que não tenha havido, por parte da tutela, qualquer sancionamento.
O conceito implícito é óbvio e parece que funciona (funcionou); a ascensão desportiva do Benfica é relacionada como um sinal de deriva autoritária do regime, uma espécie de retorno ao salazarismo, algo que parece aterrorizar os “democratas”. Já a supremacia desportiva do Porto é vista como um testemunho inequívoco da consolidação da democracia.
Entretanto, os benefícios desportivos de que este tem beneficiado nas últimas décadas, constituem uma espécie de créditos adquiridos em décadas de “sujeição ao regime fascista”. É esta narrativa que tem de ser erradicada duma vez por todas da sociedade portuguesa.
Os lídimos representantes dos cidadãos benfiquistas têm que inquirir os promotores deste discurso, em especial aos que detêm responsabilidades públicas, o que querem do Benfica e dos benfiquistas.
Considerando esgotado o consulado de Filipe Vieira pelas razões apontadas, terá o meu voto o projeto de Rui Gomes da Silva. Em todo o caso parece-me claro que, só com a fusão das as candidaturas da oposição será possível derrubar a Direção de Luís Filipe Vieira.
Pelo Benfica,
21 de Outubro de 2020
António José Rodrigues Barreto
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